Há quem pergunte se há ainda o que comemorar nesta data, 01 de junho, dia da Imprensa. Eu digo que sim! Olhando a crise de confiança que se abate sobre as instituições no Brasil, o cenário polarizado na esfera pública nacional, especialmente na ambiência digital, pensando também na precarização da profissão e nos enormes desafios impostos à categoria com os processos de digitalização das redações, parece muito difícil manter o otimismo.
Entretanto, os anos trágicos vividos com a pandemia nos deixaram uma lição, e apontaram para uma luz no final do túnel: a importância do papel mediador da imprensa em momentos de crise. A imprensa foi a mediadora do caos. Segundo o 10º relatório sobre informação digital da Reuters, que avaliou 46 países, a confiança na informação dada pela mídia aumentou em média 6 pontos desde o início da pandemia (dados da edição de 2021), chegando a 44%. No Brasil, esse índice foi de 54%, 10 pontos percentuais acima da média, e o País foi também um dos que mais registraram preocupação com a desinformação, com 82% dos entrevistados se manifestando nesse sentido.
Esse crescimento da confiança na imprensa, por certo, pode não se sustentar. Pode se explicar pelo fato de os cidadãos terem dado, no período, uma maior importância à informação factual, de cunho científico e à mídia local, deixando de lado a "informação política mais partidária". De qualquer forma, foi um crédito concedido à imprensa como norteadora social, um voto importante ao trabalho dos jornalistas.
Entretanto, ainda enfrentamos problemas, e não são poucos, e merecem ser denunciados. No 20º Índice Global de Liberdade de Imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), apresentado em maio deste ano (2022), o Brasil ocupa o incômodo 110º lugar entre 180 países analisados. Na análise sobre o Brasil, a organização afirma que “a relação entre a imprensa e o governo se deteriorou muito desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, que ataca regularmente jornalistas e a mídia em seus discursos” e mobiliza exércitos de apoiadores nas redes sociais. O fato é: não cabe interferência política, econômica ou de qualquer natureza na atividade da imprensa, sob pena de haver prejuízo social.
Também, entre temas preocupantes, há questões trazidas pela pesquisadora Rosely Fígaro, que tive o prazer de ter como minha professora na ECA-USP, e que é Coordenadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho. Um deles são os efeitos da precarização do trabalho do jornalista (como a “pejotização” dos contratos de trabalho), além do etarismo nas redações. Ela alerta também para o risco de muitos jornalistas serem transformados em “trabalhadores do clique”. Refere-se aos produtores de conteúdo, que se “confundem” com jornalistas e, portanto, barateiam o trabalho.
A robotização das redações é positiva para algumas tarefas, mas, como a própria professora alerta, vai na contramão da beleza das narrativas jornalísticas e dos discursos políticos de resistência e de ação. Entretanto, essa mesma tecnologia tem nos ajudado no trabalho investigativo, especialmente o realizado pelas agências de fact-checking, que combatem a desinformação.
Com o uso de recursos tecnológicos, mecanismos de busca, geolocalizadores, aplicativos, cruzamento de dados, entre tantas outras ferramentas, essas agências têm descoberto conteúdos enganosos, denunciado desinformação, fraudes e práticas criminosas no universo digital.
Por tudo isso, estou aqui para comemorar a data, para celebrar a luta pela Democracia e o fortalecimento de nossas instituições, e demonstrar meu respeito pela imprensa como mediadora do cotidiano. Dias de luta os que vivemos, talvez não de glória...
*Anelisa Maradei é doutora em Comunicação em Mídias Sociais, sócia da a.maradei consultoria de comunicação corporativa, pesquisadora e membro do grupo de pesquisa Jorcom – Jornalismo na Comunicação Organizacional, cadastrado no CNPq e membro da diretoria de Treinamentos da Abracom, Associação Brasileira das Agências de Comunicação.