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Greenwashing no contexto das Fake News

Anelisa Maradei
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Greenwashing no contexto das Fake News

Há dois temas emergentes que, no meu entendimento, se entrelaçam nos dias de hoje e impactam as organizações e a sociedade: a questão das “Fake News” e a polêmica do “Greenwashing”. Os temas são tratados de forma paralela, mas neste artigo eu gostaria de problematizar a conexão entre esses conceitos.

Primeiramente, ambos invadem as narrativas que se espalham pelas redes sociais digitais. Em segundo lugar, estão na contramão da transparência dos fatos. Em terceiro lugar, os praticantes de tais atividades não estão alinhados com a verdade e confundem a opinião pública.

Segundo o projeto First Draft, uma organização sem fins lucrativos, criada em 2015 junto à universidade de Harvard, que busca soluções para a verdade na era digital, existem sete tipos de notícias falsas: sátira ou paródia (não há o objetivo de enganar, são piadas); conteúdo fabricado (conteúdo 100% falso, feito com o objetivo de enganar); conteúdo manipulado (quando imagens ou notícias são alteradas para passar mensagem diferente da original); conteúdo impostor (atribui-se dados falsos a uma fonte conhecida); contexto falso (imagens ou falas retiradas do contexto em que foram produzidas); conteúdo enganoso (quando dados reais são usados para levar a uma conclusão inadequada); e conexão falsa (quando fotos, títulos ou legendas não estão de acordo com o conteúdo do texto, que pode até não conter erros).

Embora essa classificação seja pensada no âmbito do Jornalismo, podemos deslocar a perspectiva do que é previsto em conteúdo enganoso para tratar da prática de “Greenwashing”. Antes de avançarmos, entretanto, para quem ainda não está familiarizado com o termo, vale uma explicação. “Greenwashing”, do inglês, pode ser traduzido como “lavagem verde”. Uma prática realizada por empresas, indústrias públicas ou privadas, organizações não governamentais e até governos. Uma estratégia de marketing que estabelece discursos, ações e propagandas sustentáveis que não se materializam efetivamente na prática.

As empresas criam narrativas no âmbito ambiental e social (neste caso, denomina-se “Socialwashing”) de forma ilusória, ou até mesmo mentirosa, apenas para lucrar e impulsionar as marcas no mercado, utilizando questões relevantes como feminismo, antirracismo, direitos LGBTQIA+ e questões ambientais. Por trás do discurso, entretanto, não há compromissos reais com a sociedade civil.

Assim como as genericamente chamadas “Fake News”, o fenômeno do “Greenwashing” não é apenas sobre informações falsas, mas também sobre aquelas que nos chegam distorcidas. Muitas empresas comunicam como um grande mérito, por exemplo, ações determinadas por lei, ou seja, o que, se não for cumprido, seria crime.

Assim sendo, não estão fazendo nada além da obrigação. Não se trata de realização de “ações sustentáveis”. Por exemplo, a resolução Conama nº 357 diz que toda empresa que utiliza recursos hídricos é obrigada a tratar e gerir seus efluentes ou seu dano ambiental – como prevê a Lei nº 9605 e o Decreto nº 3179, que determina que as empresas, instituições e pessoas jurídicas são responsáveis pelos impactos ambientais que causam. Ocorre que as muitas empresas comunicam tais práticas como um grande mérito para alavancar sua imagem.

Outras companhias têm anunciado a contratação de idosos, num falso combate ao etarismo, quando, na verdade, estão enquadrando essas pessoas, muitas vezes altamente qualificadas, em funções mal remuneradas. Entretanto, insistem em alardear tais programas como se estivessem fazendo uma verdadeira ação revolucionária de Diversidade e Inclusão.

Não é diferente no caso de “Socialwashing”, realizado nas questões raciais. Há empresas que aprovam negros em seus quadros funcionais sem a contrapartida de políticas subsequentes que sustentem a ascensão dos profissionais em seus quadros de carreira: qualificação, planos de carreira, ensino de idioma. Assim, essas pessoas saem da base da pirâmide social e caem na base da pirâmide organizacional.

Estudo realizado em 2020 pela PricewaterhouseCoopersPwC em nível global, com 25 indústrias, em 40 países, e que contou com três mil participantes, revelou que setenta e seis por cento dos participantes da pesquisa disseram que o tema da Diversidade e Inclusão é um valor ou uma prioridade para suas empresas e também declararam que, ao investir em D&I, esperam não apenas impulsionar o engajamento, mas também melhorar o desempenho financeiro da companhia e permitir a inovação. Entretanto, foi detectado que apenas 5% das organizações estão tendo sucesso nas principais dimensões de um programa de D&I bem-sucedido.

A cacofonia propiciada pelo mundo virtual exige o estabelecimento de parâmetros que permitam às pessoas discernir o verdadeiro do falso. Temos observado que isso não vem ocorrendo, por várias razões: forma de circulação das informações na atualidade, especialmente na internet, e baixa educação dos cidadãos para os meios. Além disso, há uma questão levantada por Byung Chul Han, no livro “Sociedade da Transparência”, a relação entre transparência e verdade. Temos que estar atentos pois, muitas vezes, a propagada transparência das organizações está mais relacionada à positividade, a reforçar a boa imagem da empresa, a reforçar narrativas positivas do que ao compromisso com a verdade.

Matéria: Jornal da comunicação Corportiva
LINK: https://portal.megabrasil.com.br/jcc/noticias/ler/5364/greenwashing-no-contexto-das-fake-news


*Anelisa Maradei é doutora em Comunicação em Mídias Sociais, sócia da a.maradei consultoria de comunicação corporativa, pesquisadora e membro do grupo de pesquisa Jorcom – Jornalismo na Comunicação Organizacional, cadastrado no CNPq e membro da diretoria de Treinamentos da Abracom, Associação Brasileira das Agências de Comunicação.

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